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Dar nome ao que sentimos: por onde começar?

Quais são as coisas mais importantes da vida para você? Será que as minhas e as suas são as mesmas? E será que todas as pessoas do mundo falam e agem movidas por algo que possivelmente eu também valorizo? Essas coisas que tanto nos importam falam a respeito dos nossos sentimentos e das necessidades que se encontram por trás deles.

Tanto em nossa cotidianidade quanto nas situações mais inesperadas, vivemos momentos em que, por vezes, fica difícil compreender e comunicar aquilo que nos atravessa. É comum tendermos a escolher dois caminhos. Uma hora, ignoramos o que está acontecendo dentro, calamos e evitamos qualquer tipo de conflito, nos conduzindo ao afastamento, à desconexão e, nos casos mais extremos, à implosão. Outra hora, também numa falta de conexão, falamos sem nenhum tipo de filtro, o que pode se transformar em uma explosão de reações inconscientes — que trazem pouco ou nada daquilo que realmente estávamos querendo expressar. 

Mas temos uma terceira possibilidade, que nos leva a uma maior responsabilidade com nós mesmas e com quem está ao nosso redor: escolher como primeiro passo a escuta, uma escuta que também podemos praticar com nós mesmas, baseada na curiosidade por investigar aquilo que não é só meu ou só seu, mas que tem a ver com aquelas coisas que talvez sejam importantes para todo ser humano.

Nessa pesquisa do nosso mundo interno, a escrita diária pode contribuir para abrir um espaço de diálogo com aquilo que se debate dentro de nós. Assim, o objetivo deste texto é explorar e oferecer possibilidades de exercitar uma autoescuta atenta em espaços seguros como a Mandala Lunar e o Sonhário, colocando o nosso foco em dar nome aos sentimentos que nos acompanham em nossas vivências diárias.

Uma investigação baseada na curiosidade sobre nós mesmas

O nosso corpo é a nossa melhor bússola para construirmos intimidade com as nossas emoções e sentimentos. Conviver diariamente com essas partes profundas e delicadas do nosso próprio existir nos permite reconhecê-las antes de reagir e abre espaço para escolhermos como queremos nos posicionar a cada momento.

Podemos escutar o nosso corpo falando ao observar as reações psicofisiológicas que as emoções geram em nós. A nossa pele arrepia, o nosso estômago encolhe, os olhos se enchem de lágrimas ou o nosso sangue sobe até o rosto ficar vermelho, aceso, porque o nosso corpo tem algo para nos contar. Ele reage a estímulos internos ou externos de forma rápida, espontânea e instintiva, por meio do que chamamos de emoções. Já os sentimentos são gerados a partir de uma interpretação subjetiva dessas emoções, após uma leitura que realizamos sobre as nossas reações emocionais em interação com os nossos pensamentos que são forjados pelas nossas experiências e lembranças. 

Para nos auxiliar nessa autoescuta, a Comunicação Não-Violenta pode servir como guia. Segundo Marshall Rosenberg, referência nesse âmbito, para nos comunicarmos desde um lugar de responsabilidade, o primeiro convite que devemos nos fazer é o de observar sem julgar, e o segundo, expressar como nos sentimos. 

Um exercício diário que você pode realizar é o de identificar as reações físicas que o seu corpo manifestou perante algum acontecimento marcante do seu dia e dar nome ao estado emocional que permaneceu além da sensação inicial, ou seja, ao sentimento que foi sendo criado em volta dos fatos. Você pode pegar a sua Mandala Lunar e se perguntar: 

Qual foi a primeira reação do meu corpo diante daquela situação?
O que senti na pele, nos meus órgãos internos, nas minhas entranhas?

E o que permaneceu além, à medida que a situação foi repousando em mim? Como essa sensação física se transformou em um sentimento que faz parte da minha vivência subjetiva e particular?

Você também pode resgatar esse tipo de informação dos seus sonhos, registrando o que viveu ao longo da noite e conectando as imagens simbólicas e aspectos importantes do seu inconsciente com os sentimentos que estão vivos nesse momento. Ao acordar, você pode tentar responder no seu Sonhário as seguintes perguntas:

Qual foi a minha sensação corporal ao acordar desse sonho? 
O que a história desse sonho veio me contar sobre como estou me sentindo e sobre aquilo que preciso cuidar?

As imagens do sonho correspondem à minha realidade atual ou a uma projeção sobre como eu gostaria de me sentir? 

Ao fazer esses exercícios, talvez você sinta dificuldade em se expressar de forma certeira ou em colocar os seus sentimentos em palavras. Isso acontece porque nomear nossos sentimentos requer exercitar uma musculatura frequentemente atrofiada, já que muitas vezes somos instigadas a ficar voltadas para as outras pessoas, em vez de conectadas com nós mesmas. Dessa maneira, segundo Rosenberg, costumamos ter mais vocabulário para rotular as outras pessoas do que para “descrever claramente nossos estados emocionais”.

Na hora de nomear sentimentos, é comum expressarmos as nossas interpretações sobre os/as outros/as mais do que falarmos sobre o que está acontecendo dentro de nós. Por isso, no caminho da autoescuta, é importante aprendermos a diferenciar sentimentos de julgamentos — que podemos chamar de pseudossentimentos. Por exemplo, quando falamos “me sinto ameaçada, coagida, diminuída, ignorada, traída…” estamos falando mais sobre um pseudosssentimento do que de um verdadeiro sentimento, pois estamos avaliando a outra pessoa em relação a nós.

Além disso, muitas vezes usamos o verbo sentir sem realmente expressar um sentimento. Por exemplo, a afirmação “sinto que não consegui um acordo justo” não expressa um sentimento verdadeiro, mas descreve o que penso que estou vivendo — de tal forma que a palavra “sinto” poderia ser substituída por “penso”, “creio”, “acho”. Nesse e em outros casos, para confirmar se estamos falando sobre sentimentos, podemos tentar substituir o verbo sentir por estar: “estou desiludida com o acordo final” fala sobre um sentimento certeiro.

Da mesma forma, podemos revisar a nossa forma de nos expressarmos tomando como base os seguintes exemplos:

Pseudossentimento > Sentimento

Sinto-me mal interpretada  > pode se transformar em >  Estou triste porque percebi que você entendeu algo diferente do que eu queria que você entendesse
Sinto-me menosprezada   > pode se transformar em >   Quando você não me convida para fazer parte, me sinto insegura e frustrada em relação ao que espero de nós

Você pode realizar as mesmas reformulações em relação a algum acontecimento ou vivência recente e tentar dar nome aos seus verdadeiros sentimentos. Para apoiar as suas reflexões e ampliarmos a nossa compreensão sobre esse universo, trouxemos aqui mais duas listas sobre sentimentos (baseados em necessidades atendidas ou não) que você pode utilizar nas suas práticas:

Por fim, mesmo validando e acolhendo a nossa experiência por inteiro, precisamos lembrar que ela é subjetiva e particular e que, diante do mesmo cenário, outras pessoas podem se sentir e inclusive julgar a situação de forma diferente. Quando observamos o nosso interior, entendemos que o que as outras pessoas dizem e fazem pode ser o estímulo, mas nunca a causa dos nossos sentimentos, e nos reconduzimos a olhar para aquilo que está vivo em nós.

Talvez você pense que toda essa teoria é linda mas que isso não é a realidade. E do nosso lugar, podemos confirmar que é difícil, sim, e que precisa de muita prática para tentar transformar essa teoria em realidade. 

E aí, vamos tentar nos escutar? Nos vemos lá!

Texto de Mayte Santos Albardía

Referências:
Marshall B. Rosenberg. 2023. Comunicação Não-Violenta. Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. Editora Ágora. 4ª Edição. 
Marshall Rosenberg. 2019. A linguagem da paz em um mundo de conflitos. Palas Athena. 2ª edição. 

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