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A arte do cuidado de si

Conhecimento não é mercadoria. Não é algo que se compra, se acumula, se estoca na dispensa. Isso é informação – e existe toda uma bela arte milenar ligada à guarda das informações preciosas; inclusive prevendo a necessidade de “recuperar” em determinado momento essa informação, justamente porque, quando arquivados, esses dados podem ser esquecidos e precisamos de sistemas para reativá-los. Pergunte a uma amiga bibliotecária. 

Já o conhecimento existe quando um saber está em movimento, orientando a vida cotidiana. É o que fazemos quando experimentamos uma receita nova; quando trazemos para uma conversa um assunto que estudamos; quando, nas horas difíceis, sabemos quais recursos vão funcionar para nos sentirmos melhor.

O autoconhecimento é um processo contínuo e infinito. Muito simplesmente porque o tema sobre o qual estamos aprendendo está sempre em transformação: nós mesmas. Só poderíamos “obter” e “estocar” o cuidado de si em uma caixinha se nós também entrássemos nela e ficássemos ali intocadas pelos processos transformadores da vida.

Além de ter em mente esse necessário movimento positivo que constitui o conhecer, em qualquer processo de aprendizado também está em jogo um que vai em outro sentido, o de um desaprendizado. Ou seja: para não “empilhar” dados infinitamente e correr o risco de esse estoque de informação desmoronar pela quantidade ou mofar pelo tempo parado, de vez em quando, é preciso fazer uma faxina nesse nosso pequeno museu. O autoconhecimento exige uma desconstrução contínua das ideias que temos sobre nós mesmas. É preciso desfazer algumas ideias que agora já não nos explicam mais, e colocar fora alguns gostos e preferências que perderam o sentido, como roupas que não nos agradam mais e precisamos passar adiante. Estranhar a si mesma é uma parte essencial do processo de autoconhecimento. É o que justifica estarmos sempre disponíveis para a auto-observação e autoavaliação. 

Mais do que um tema de autoajuda, o autoconhecimento é a matéria básica da filosofia. A investigação sobre os processos mentais e afetivos de uma pessoa é um esforço que ocupou grandes nomes da história da humanidade. Há bastante debate a respeito de como se produz conhecimento sobre si e como esse tipo de conhecimento se difere de conhecimentos sobre outros assuntos externos aos sujeitos. Mas, em geral, o autoconhecimento se destaca por pelo menos uma característica: a capacidade de construí-lo está diretamente relacionada à capacidade de agência mental de cada pessoa. Ou seja, cultivar-se é diretamente proporcional a conhecer-se. Por isso, dedicar-se ao clássico “conhece-te a si mesmo” de Sócrates é um conselho que exige uma série de práticas contínuas – e cultivar um diário pode ser uma delas.

Se conhecer é resultado de um movimento constante de aprender e desaprender sobre nós mesmas, isso não significa dizer que se conhecer é só saber formular “teorias” sobre si mesma. É autoconhecimento ser capaz de dizer desde um “estou com dor de barriga” até um “este é o limite até onde vou nesta relação”. É autoconhecimento fazer escolhas conscientes dos efeitos que elas podem causar em nós – “será essa uma ação benéfica ou maléfica para o meu bem-estar?”. 

Perceber e analisar nossas emoções e pensamentos passam pelas diversas maneiras através das quais nos engajamos com o mundo, não só a mental. Por isso mesmo, a impressão de amigos e daqueles que nos amam às vezes podem nos ajudar a nos “enxergar” de maneira mais nítida. Dessa forma, eles podem nos ajudar a desapegar de opiniões enviesadas ou a desconstruir imagens distorcidas que possamos ter de nós mesmas. O autoconhecimento caminha no sentido contrário do autoengano.

Texto de Anelise De Carli
Arte de Chana de Moura para a Mandala Lunar 2026

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