Há uma verdade que só descobrimos ao relembrar: a vida faz mais sentido de trás para frente. Quando abrimos aquelas páginas e relemos com os olhos de quem somos agora, o caos ganha forma. O que era erro vira aprendizado. A mulher que você era se encontra com a que você está sendo. E podem abrir trilhas juntas.
Há algo de profundamente transformador em retornar às páginas que escrevemos em períodos diferentes de nós mesmas. Quando abrimos a Mandala Lunar para reler o que registramos semanas, meses ou até anos atrás, a gente não está simplesmente revivendo memórias. A gente está se encontrando com versões anteriores de si: mulheres que viveram diferentes circunstâncias, carregaram diferentes pesos, sonharam diferentes sonhos.
A escrita diária é um gesto de presença, de ancoragem no agora. Mas revisitar registros antigos? Esse é o ato que completa o círculo. É onde a magia da autorreflexão realmente acontece.
Lembra daquele livro que você não entendeu na primeira leitura? Aquela cena que parecia sem propósito, aquele personagem que achava chato demais? Pois então você segue lendo, e páginas mais à frente, tudo faz sentido. A conversa vaga que assustava ganha cor. O silêncio que confundia revela seu peso. A personagem que você não gostava se torna a mais importante de todas.
Assim é reler nossos registros antigos.
O sentido de uma vida não se revela apenas enquanto a gente está vivendo. Revela-se lá atrás, quando voltamos com novos olhos. A frase que escrevemos entre lágrimas ou pressa, aquela que anotamos sem nem saber por quê: ela ganha cor, ganha forma, ganha propósito quando a relemos munida de experiência. De repertório. De uma vida que encheu nossos pulmões de conhecimento que não tínhamos naquele dia em que colocamos a caneta no papel.
O que parecia perda desastrosa se mostra, agora, como aquela cena que preparava tudo o que viria depois. A relação que terminamos, aquele projeto que caiu por terra, a escolha que nos deixou com medo: são elas – exatamente elas – os capítulos que só fazem sentido quando relemos do começo. Quando estamos lá atrás, naquele parágrafo onde tudo mudou, conseguimos finalmente compreender por quê.
Reler é redescobrir. E redescobrir? É sempre uma surpresa. Aquilo que lembrávamos com tanta certeza revela-se matizado, cheio de nuances que a memória tinha simplificado. Aquela situação que contávamos de um jeito ganha, ao ser relida, contornos completamente diferentes.
Você pode se surpreender: descobrir que estava em um caminho com o qual relutava e que, na verdade, era exatamente onde precisava estar. Pode se chocar com sua própria coragem, seu próprio conhecimento, sua própria beleza.
Reler-se pode ser desconcertante. E às vezes é exatamente isso que precisamos: daquele pequeno chacoalhar que nos acorda. Porque se éramos diferentes daquilo que imaginávamos ser, isso significa que também podemos ser diferentes do que imaginamos ser hoje. Se mal compreendemos nossa própria história quando a vivíamos – com todo o caos, a confusão, a falta de contexto – quem somos nós para ser tão duras, tão impiedosas com nossas escolhas de ontem?
Quando abrimos as páginas antigas, começamos a puxar os fios. E, de repente, histórias que o dia a dia nos esconde gritam por atenção. Quando vemos os acontecimentos em sequência, página após página, ano após ano, conseguimos encará-los não como convites. Convites para compreender, para amar até mesmo aquilo que ainda lutamos para transformar. Para reconhecer o invisible que estava acontecendo.
E sabe o que é bonito? Há celebrações escondidas entre as linhas. Aquele relacionamento do qual saímos e hoje caminhamos mais leves. Aquele conflito que finalmente solucionamos. O amadurecimento profissional que colhemos sem nem sempre reconhecê-lo no instante em que acontecia. O vício que ainda retorna, mas com menos frequência, menos urgência. A amizade que aprofundou. O cuidado que aprendemos a dar a nós mesmas.
Reler é reconhecer. É dar nome, cor e forma ao crescimento que a rotina nos faz esquecer que está acontecendo. É celebrar a mulher que você era, porque ela trouxe você até aqui.
Quando abrimos páginas antigas, podemos nos perguntar: com que repertório emocional você estava operando naquele tempo? Com que conhecimento prático? Com que recursos materiais? Com que apoio ou falta dele? Com que feridas abertas? Com que sonhos que ninguém via porque estavam ainda presos em você, esperando ganhar forma no mundo?
Quando nos fazemos essas perguntas diante do que escrevemos, conseguimos compreender que nossas escolhas, até mesmo aquelas que hoje questionamos com uma dose de arrependimento, faziam sentido dentro do contexto onde foram feitas. Que a mulher que você era naquele dia fez o melhor que pôde.
Então fica o convite – quem sabe para este fim de semana, ou amanhã no café? Que possamos reservar um momentinho para bater à nossa própria porta e fazer uma visita de verdade. Não aquela visita rápida, apenas para conferir se está tudo bem. Uma visita de quem quer ficar.
De quem quer se abrir, abraçar a própria trajetória e celebrá-la. De quem finalmente decide que é hora de vir para casa, para dentro de si mesma, com todo o amor que essa mulher merecia receber desde o começo.
Texto de Nanda Barreto para a Mandala Lunar
Arte de Natália Gregorini para a Mandala Lunar 2025